Eu estarei lá

Quando as luzes dos carros sufocarem a imanência de tua arte, eu estarei num beco qualquer da cidade rezando pelo ápice de tua elevação cultural.  Pode até a fumaça da poluição prejudicar sua metafísica, mas farei vigílias e mais vigílias para te ver brilhar.

Quando tuas lágrimas escorrerem, eu estarei lá. No orvalho da madrugada, no vento silencioso que sopra em teu rosto e secarei tua dor. Fecharei meus olhos para não te ver chorar, sei que não gosta de demonstrar tuas fraquezas. Quero ficar perto de você, ainda que distante.

No fundo do palco, bem escondidinho, entre o canto escuro e a porta de saída. Estarei assistindo o teu espetáculo e vibrando com os holofotes que saem do teu interior e ilumina a minha noite. Puxarei os aplausos e os assovios. Talvez não me veja, mas eu estarei lá.

Mesmo que o horizonte amplie tuas asas e te levem para além do alcance de meus braços. Eu estarei nas faíscas do sol poente que tocam o teto de tua casa. Farei trovoadas de pensamentos ao entardecer aguardando apenas a brisa que se levanta com teus voos. 

Hoje é um dia especial para você. Não pense que eu me esqueci. Sempre foi assim nossa relação, primeiro nos amamos depois nos conhecemos. Hoje, mesmo que esteja distante fisicamente de mim, eu te tenho perto. Não percebe?

Sei que não percebe. Sou a positividade das tuas vibrações mais caóticas, a teatralização da tua insânia, aquilo que te contraria e te conserva, que não precisa estar perto para entender o teu olhar. Sou o flash presente em teu melhor retrato.

Ainda que lhe faltem os cantos e lhe sobrem as rachaduras asfáticas do medo, eu estarei lá. Um anônimo, mudo, feliz por te ver feliz. Um alguém que te quer bem e que te toca mesmo sem você sentir ou me notar. Nos submundos da tua imaginação. Sim, eu estarei lá.